Nem de propósito
Nem de propósito para saudar os comentários do Nuno Barros, no regresso li a entrevista do Nobelizado José Saramago ao "La Vanguardia" de Barcelona tal como vem publicada no "Courrier Internacional" desta semana. Duas questões distintas se levantam.
1 - O carácter pedante e mesmo presumido dos percursos de Saramago em Lisboa. Vou mostrar a Lisboa que escrevi, dos meus livros, do Martinho do Arcada e do Hotel Bragança. O equivalente a uma visita de estudo do Secundário. Para além dos pormenores sórdidos do relacionamento dele com a mulher espanhola e a obliteração que é feita à sua vida anterior. Parece que só tem existência concreta e real depois de a conhecer. Para quem não sabe, passem num alfarrabista e vejam as primeiras edições, anteriores ao relacionamento dos dois, comparem as dedicatórias com as edições posteriores.
2 – As “pretensas” implicações do seu projecto iberista. Apesar de objectivamente (planos como a geografia, economia, macroeconomia), a independência de Portugal não fazer um sentido total no conjunto da Península Ibérica, não se pode descurar outras dinâmicas. Como não se está a falar de vender coca-colas, mas sim de planos simbólicos, sentimentais que sempre fugiram ao determinismo que se pretende criar e impor.
Para Portugal a excepção é a perca de independência, pois apenas durante breves períodos da sua história a soberania não foi directamente portuguesa. Não o contrário. Porque da única vez que de modo duradouro esteve em causa a existência de Portugal independente (dentro de todas as nuances da Monarquia Dual) o Rei Filipe II de Espanha (I de Portugal) teve de assegurar essa posse de três maneiras. Herdou o reino, Comprou o reino e Conquistou-o militarmente. Já na altura éramos intrujas, obrigámos o homem a pagar 3 vezes por algo que de direito era dele.
A Espanha sim é um manto de retalhos, dai que a comparação com a Jugoslávia seja no mínimo ridícula. Mesmo com um “grau de subalternidade inédito” Portugal irá sobreviver. Se calhar com a importância de San Marino e do Liechtenstein. Mas também qual é o português no seu perfeito juízo que tem aspirações a mais do que se apurar para o Europeu e dois anos depois para o Mundial de Futebol e como benesse os sub-23 nos Jogos Olímpicos.
Etiquetas: pipo
4 Comments:
Eu também já notei que Saramago já não é o mesmo Saramago. Eu dantes deliciava-me com a sua acutilância nas suas entrevistas e textos em jornais. Mas desde o prémio, a fama, o casamento, o exílio turístico em Lanzarote tem lhe sido difícil conciliar os seus ideiais utópicos de esquerda com a sua nova vida despreocupada e abastada como recém-adoptado espanholito. Já não o sinto como português. Aliás só se dá por ele cá quando vem lançar binanualmente os seus livros respeitando o contrato com a editora.
Realmente tenho pena dessa entrevista não estar online para me rir do seu estranho pró-iberismo.
Para mim talvez o que me choque mais é os paradoxos. Um homem que diz que a sua vida mudou quando leu aquele poema do Pessoa "para ser, sê inteiro" (mais ou menos isto). Então e muda as dedicatórias dos livros, ou isso também faz parte do contrato principesco que ele tem com a Caminho? É muito feio tentar reescrever a história da vida, tanto a alheia como a própria. Há sempre alguém que nos conhece bem e ainda se lembra como éramos à uns anos.
Ou tem vergonha da vida que tinha?
Talvez dos anos no Diário de Noticias?
Agora em relação ao iberismo, é obvio que como conceito faz todo o sentido. O problema de novo como disse o Pessoa é que "E o que não tem sentido é o sentido que tudo isto tem".
Saramago não sabe bem como conciliar o seu passado com o seu presente por isso tenta talvez reescrever muito do que escreveu. Certamente deve viver alguns dilemas como uma espécie de espécie de corrupção moral se apoderasse dele. Muito do que disse e escreveu agora não encaixa bem com a sua vida actual.
Quando falo do seu estranho pró-iberismo é que pelo me lembro como qualquer eurodeputado comunista era anti-federalista e defendia a integridade nacional. Agora que é "ibérico" parece já aceitar uma perda de certa espécie de integridade nacional.
Afinal os ares de Bruxelas são mesmo venenosos para as convicções de um homem:) Não é que eu seja adepto de uma inflexibilidade total na existência do homem; mas também cada vez que se muda de "cara" não se pode mudar de opinião. Ou então ter a plena consciência da inevitabilidade dessas alterações e não nos levarmos demasiado a sério. O que presentemente ainda acho que seja a melhor solução para não perder o sorriso.
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